ARTIGO 


in O Diabo - 26/06/2001

POR UMA TELEVISÃO MAIS SÃ
por Joaquim Pedro Costa (*)

Como tem sido amplamente difundido na comunicação social, a Quarentena à TVI e à SIC propõe aos portugueses que, durante todo o mês de Junho, deixem de ver esses canais e se recusem a consumir produtos de empresas patrocinadoras dos reality shows, e faz um apelo a todos os políticos, e às figuras públicas em geral, para que não participem em programas nos estúdios desses canais, durante o mesmo período.

Esta campanha apartidária, não confessional e sem qualquer filiação, é motivada pela consciência de que as televisões ultrapassaram os limites necessários a uma sã vivência colectiva. Como bem sintetizou o Deputado Barros Moura (PS), "a guerra das audiências tem conduzido a mostrar: a violência, sem limites, a todas as horas, sem respeito pelo direito à formação saudável da personalidade de crianças e jovens, e neutralizando todos os esforços educativos da família e da escola; a pornografia, a obscenidade, a boçalidade, a ignorância, o sexismo e o machismo agressivos, primários e boçais".

O modelo concreto desta quarentena, para alguns considerado exagerado ou contraproducente, partiu do pressuposto de já ter passado o tempo dos boicotes meramente simbólicos. E não faz mais do que responder ao clamor público que se tem feito ultimamente sentir por uma reacção da sociedade civil, livre e adulta, apurada que está a impotência das autoridades estaduais (neste como noutros problemas).

Ao contrário do que alguns têm feito crer, não há aqui nenhum espírito inquisitorial ou censório: não se impõe nada a ninguém, não se proíbe ninguém de ver o que quiser, e nem se pede a nenhuma autoridade que proíba o que quer que seja. Pede-se apenas a quem ache que se chegou ao limite do intolerável em matéria televisiva que se junte a este protesto. E apela-se à coerência e ao bom senso das figuras públicas para que se abstenham, por um dia que seja, de colaborarem com quem emite o "telelixo".

Apesar do silêncio da maioria dos interpelados, e da discordância de outros, um conjunto significativo de personalidades dos mais variados quadrantes ideológicos aderiu a esta iniciativa. O que revela que esta não é uma "causa fracturante", mas antes uma causa que atravessa transversalmente toda a sociedade portuguesa.

E a partir daqui? O que fazer? Face à tentativa em curso de "autoregulação" televisiva, lança-se desde já um conjunto de propostas muito simples, partindo da ideia de que é preciso que as televisões "parem para pensar": entre outras, passagem dos reality shows, e dos respectivos spots, apenas depois das 22 horas; submissão de novos formatos a um parecer de uma comissão arbitral independente, com personalidades de reconhecido mérito escolhidos pelas próprias TV's (e pelo Provedor, por exemplo); publicitação dos contratos dos participantes nos reality shows.

Para que amanhã os nossos filhos nos não acusem de lhes termos deixado uma sociedade "doente"; para que amanhã os nossos netos nos não critiquem por termos ficado no sofá, passivos e amorfos, a ver passar o "telelixo".


(*) - jurista, promotor da "Quarentena por uma televisão mais sã" ( http://quarentenatv.tripod.com )